Jornalista cadeirante relata problemas de acessibilidade em três Estados

Foto: DENNY CESARE/ ESTADÃO

Por Isabela Palhares

O jornalista Dirceu Pio deu ao jornal O Estado de S. Paulo um depoimento sobre os desafios enfrentados pelos cadeirantes. “Quase cinco anos depois de ter sofrido um AVC (acidente vascular cerebral) na mesa de cirurgia que paralisou meu lado direito, decidi refazer a viagem que já havia virado uma tradição para mim e minha mulher, Susana: ir à Barra de Ibiraquera, no município de Imbituba, no sul de Santa Catarina. Os 800 quilômetros entre a minha casa, em Vinhedo (SP), e a praia me fizeram mergulhar na perversidade do Brasil.

Dentro de no máximo 50 anos, seremos um País de velhos; ainda assim, tratamos nossos portadores de necessidades especiais (PNEs) com descaso, indiferença e crueldade. Foi o que eu pude constatar.

Optei por viajar de carro por ser mais econômico, mas também porque queria verificar a acessibilidade de postos de gasolina, hotéis e restaurantes das rodovias nos três Estados que atravessei – São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Eu suspeitava, mas só mesmo uma viagem como essa para comprovar que o País ainda não sabe o que é acessibilidade.

Durante os quatro dias de viagem, encontrei as mais diversas situações que mostram como os estabelecimentos não obedecem à legislação, não seguem as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A maioria dos postos de gasolina do percurso, por exemplo, tem um extenso estacionamento calçado com paralelepípedos até chegar ao restaurante e aos banheiros. Um piso completamente inadequado – uma tortura para alguém como eu, que passou a conviver, desde o AVC, com dores crônicas nas costas.

Além disso, os sanitários ditos acessíveis ficam sempre dentro dos banheiros masculino ou feminino, quase nunca levam em conta que o cadeirante pode estar com um cuidador de outro sexo. Com menos de 40 quilômetros de percurso, já era previsível o que eu iria encontrar: porta abrindo para dentro (as regras determinam que abram para fora), barras na parede apenas de um lado, assentos pouco anatômicos, portas estreitas para a passagem da cadeira de rodas e rampas de acesso muito íngremes.

Ao longo da viagem, fizemos mais de 20 paradas e, em cada uma delas, eu levava um susto. Nem mesmo as grandes redes de restaurante, como Frango Assado e Graal, escapam do despreparo. No Graal, na região de Registro (SP), os banheiros estão a uma distância de 150 metros do estacionamento.

Nós só encontramos durante o percurso dois banheiros realmente acessíveis, um do lado direito e outro do lado esquerdo da BR-101, na região de Barra Velha (SC): são os postos Sinuelo, um luxo se comparados a tanto descaso e desrespeito de todos os demais.

Cadeira de rodas? Nem postos de gasolina, restaurantes ou hotéis dispõem da cadeiras de rodas minimamente decentes para oferecer aos hóspedes e clientes como alternativa. As cadeiras de rodas que às vezes oferecem lembram uma geringonça frágil, apertada e perigosa.

Nos hotéis, a situação não é diferente. Depois de um dia todo de viagem, paramos no Ibis de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, onde tive a minha pior noite desde o AVC.

Eles disseram ter um quarto acessível, mas tudo o que vendem como acessibilidade estava errado, perversamente errado. Se eu tivesse optado por um quarto comum, presumivelmente, teria obtido maior conforto.

O quarto era pequeno e não havia espaço para manobrar a cadeira de rodas. Na entrada do banheiro, uma barra de granito, estreita e alta, serve de obstáculo ao cadeirante. O box do chuveiro não tinha espaço para mim e minha cuidadora.

A pia do banheiro lembrava essas pias de banheiro de rodoviária, sem uma base para colocar os objetos da higiene pessoal. E mais: a cama, de casal, tinha o lado de acesso do cadeirante colado à parede. A cuidadora, minha mulher, Susana, teve de subir na cama para se deitar.

No retorno, procuramos pela acessibilidade de outro hotel, o Villa-Vitória. Ao contrário do Ibis, o quarto era espaçoso, mas os donos também não sabem o que é acessibilidade: não há espaço no box do banheiro para duas pessoas e os móveis do quarto são extremamente baixos, como se quisessem oferecer acessibilidade a anões. Dos poucos aspectos positivos, o quarto tinha duas camas de solteiro, confortáveis, espaçosas.

Apesar de todas as dificuldades, a minha grande frustração foi que, ao chegar à praia, não pude ao menos molhar os pés nas águas da lagoa de Ibiraquera (em Imbituba, Santa Catarina), minha paixão, ou pisar na areia da praia.

Sei que ainda são poucos os lugares no País que contam com acessibilidade nas praias, mas me espantou e entristeceu sentir a ausência de qualquer preocupação com a acessibilidade nas praias de Imbituba, extremamente charmosas.

Lembrei-me de que aqui, no litoral paulista, começam a prover acessibilidade aos PNEs – transporte acessível, sinalização adequada em muitas praias e até a implementação de passarelas de cimento para permitir o acesso de cadeira de rodas até o mar.

Eu frequentei bares e restaurantes, lojas de comércio, supermercados e farmácias: o padrão é muito parecido em toda parte. Quase ninguém sabe o que é acessibilidade e os que tentam provê-la erram feio na receita.

Chocado com tudo o que vi e senti nessa viagem, cuido agora em organizar uma reunião em São Paulo com pessoas que podem fazer algo de impacto em prol da acessibilidade no Brasil.

Já confirmaram presença no encontro a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP); a deputada estadual Célia Leão (PSDB-SP); o secretário dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo, Cid Torquato; o presidente da Comissão de Segurança Pública da 33ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Jundiaí (SP) e vice-presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência, Leandro Ienne; os fisioterapeutas Maurício Moreira, Leonardo Benatti e Gisele Cristina de Souza, todos com vasta experiência em tratamento de PNEs; e o jovem Pablo Medeiros, músico de Belo Horizonte, que, sensibilizado por mim, já trabalha em composições que ajudem a despertar a consciência da acessibilidade no Brasil.”

Defesas

Procurada, a rede Frango Assado informou que está “dentro das normas solicitadas” pelos órgãos competentes e disse que as “questões de acessibilidade” são previstas em todos os seus projetos de reforma, adequações e melhorias.

O Ibis disse que o hotel preza pelo conforto e bom atendimento aos seus hóspedes e que tem “empenhado esforços para se adequar às necessidades dos portadores de deficiência”.

No entanto, a rede salientou que o hotel ainda está no prazo de quatro anos de adaptação previsto pelo decreto federal, publicado no início deste mês, sobre acessibilidade em hotéis, que regulamenta artigo do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

A norma prevê que todas as áreas livres de hotéis, pousadas e hostels respeitem as normas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e ofereçam pelo menos 5% de dormitórios acessíveis.

Os estabelecimentos construídos até 29 de junho de 2004 têm quatro anos para se adaptar às novas regras.

A reportagem não conseguiu contato com a comunicação do Graal até a publicação desta matéria. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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